Terapia é frescura para homens!
- Lucas Bueno
- 5 de mai.
- 7 min de leitura
Atualizado: 3 de jun.

Se você é homem e já foi lhe dito sobre a necessidade de fazer terapia, provavelmente sua primeira reação foi uma resistência à ideia - por considerar desnecessário, “coisa de louco” ou “frescura”. O condicionamento mental imposto à grande parte dos homens, desde cedo, é que expor sentimentos é um sinal de fraqueza, e que buscar ajuda é um sinal de derrota. O resultado? Muitos vivem sob um estado latente de ansiedade, em uma vida permeada por vícios ocultos e silenciosos que propiciam um alívio rápido para o enorme vazio existencial que sentem. As frustrações reprimidas, não apenas dos desafios cotidianos mas também dos propósitos maiores de vida, se transformam em raiva, que são facilmente projetadas, “descontadas” em qualquer um à sua volta: filhos, esposa, funcionários, caixa do supermercado, brigas de trânsito, etc. No fundo, eles estão certos! Pois, realmente, “terapia é frescura para homens”.

Eles apenas não sabem que o “homem” responsável por tal alegação é seu próprio o ego — sustentado por defesas como o orgulho e a vaidade, na tentativa de manter uma identidade funcional. Afinal de contas, o que sobra se você abrir mão de tudo isso? Uma página em branco, talvez, que exigirá humildade para escrever.

A lógica é simples. Na falta de domínio de si, tenta-se dominar os outros. Na falta de força interior, há necessidade de impor sua força material aos outros. Na falta de um sentido maior de vida, busca-se certa estabilidade no poder e no controle de tudo que é externo. No entanto, tamanha rigidez e superficialidade cobra o alto preço de um adoecimento psíquico gradual, quase imperceptível, que se revela para o homem que passou anos evitando encarar sua própria responsabilidade emocional. Apenas quando caem todas as peças do tabuleiro, é forçado a confrontar a si mesmo para que possa reconstruir alguma coisa. As más decisões no trabalho e no lar muitas vezes desenrolam suas consequências depois de muitos anos e, com frequência, elas se coincidem. Sem um estado de Presença para perceber previamente os sinais de desgastes e deterioração advindos de atitudes erradas, quando se toma consciência, não há mais nada para salvar.
O grande problema é que o mundo atual oferece distrações fáceis e socialmente aceitas que desviam a atenção do que realmente importa. Fugas e vícios facilmente acessados e socialmente aceitos, o que faz com que os conteúdos que necessitam de atenção e ordenação sejam relegados a segundo plano, esquecidos como se não tivessem valor. Com isso, posterga-se o enfrentamento de situações e comportamentos disfuncionais por trás uma fachada de bem-estar construída para sustentar a ideia de que está tudo sob controle para conseguir existir, forçando-se a acreditar que está tudo bem e que dará conta de suas questões. Sem conexão com suas emoções e percepções mais profundas, sobra apenas a capacidade precária de um intelecto depressivo, ansioso e sobrecarregado para analisar os elementos que o cercam, até o momento em que tudo aquilo que servia como apoio externo desmorona. O vídeo abaixo exemplifica muito bem esse cenário, abordando saúde mental e suicídio:
Quais padrões e conteúdos os homens mais trazem para o consultório?

1.Crise de Identidade
A imagem do homem e as implicações de seu comportamento na sociedade mudou radicalmente nos últimos anos, fazendo com que muitos tenham conflito de quais ideias assimilar e de quais comportamentos manifestar. Não é apenas uma questão ideológica e tecnológica que propiciou tamanha mudança nas dinâmicas de relacionamento, mas também as pautas progressistas em alinhamento com a mídia e com as regras sociais que determinaram uma adaptação comportamental em resposta às novas exigências emocionais e sociais. Nesse sentido, muitos têm conflito em agir por não saber escolher, mas também para se proteger de interesses e más intenções. Muito se fala sobre o papel do homem na sociedade, no casamento como provedor, na paternidade como educador dos filhos, sobre “machismo”, sobre “masculinidade tóxica”, sobre críticas ao modelo patriarcal, etc. Como se orientar e se posicionar diante de tudo isso?

2. Incapacidade ou vergonha de expressar emoções e de nomear o que sentem
Os homens não foram ensinados a reconhecer suas emoções, pois a maioria aprendeu a ignorar o que sente para não revelar vulnerabilidade. Sabem quando estão “estressados” ou “irritados”, mas não sabem diferenciar tristeza de frustração, nem medo de raiva, por exemplo. Essa desconexão os pressiona a manter uma aparência de autossuficiência em detrimento de agir com consciência, os mantendo reativos, impulsivos ou paralisados.

3. Solidão advinda de relacionamentos “frios”, desconectados e indiferentes
Relacionamentos afetivos costumam ser o gatilho para a busca por terapia, e a maioria dos homens apenas procura ajuda mediante uma crise ou com o fim de um relacionamento amoroso. A dificuldade em dialogar, a ausência de escuta emocional e a postura defensiva levam à repetição de conflitos e à sensação de que "nada dá certo". A maioria não aprendeu a sustentar intimidade emocional, a desenvolver paciência e compreensão dentro de uma relação. A dinâmica estabelecida é essencialmente defensiva, onde ambas as partes sustentam seu ponto de vista sem disposição para fazer sacrifícios e concessões. As relações com familiares e amigos também se evidencia aqui, pois muitos não sabem diferenciar família de familiares, familiares de amigos, amigos de colegas, colegas de parceiros e parceiros de funcionários. Sem reconhecimento e valorização não é possível estabelecer limites, e não sabendo ter um comportamento assertivo com cada pessoa, em cada situação, as relações se tornam confusas, com constantes mal-entendidos e falta de clareza sobre os papeis.

4. Autocobrança e pressão interna por desempenho e sucesso
Mesmo conquistando resultados e crescendo na carreira, muitos ainda se sentem fracassados. A cobrança, invisível e implacável, exige que sejam os melhores, os mais fortes, e os que nunca falham. Não importa o quanto entregam, pois nunca parece ser o bastante. A cobrança por desempenho, sucesso financeiro, virilidade e controle emocional no meio profissional cria um padrão de autossabotagem em diversos outros aspectos da vida que, ao longo do tempo, tendem a criar um enorme sofrimento psíquico e vazio existencial. Essa autocobrança leva o homem a um estado latente de ansiedade, culminando no que hoje chamam de Burnout.

5. Frustrações e raiva reprimida, transformada em surtos ou apatia
É muito difícil para um homem assumir que está deprimido. A emoção que os homens mais sentem “permissão” para expressar é a raiva, mas nem sempre as razões são bem compreendidas. Quando reprimida, vira mau humor, irritação constante, cinismo, ironia e comportamentos sarcásticos com linguagem passivo-agressiva. Quando externalizada por meio de surtos, afasta pessoas e destroi relações. Quando internalizada e integrada à personalidade dada a aceitação de condições e elementos aversivos que não mais tem vontade de mudar, se transforma em apatia, falta de desejo e desconexão. O que poucos sabem é que, na maioria das vezes, a raiva ou apatia é originada do medo. A questão é: medo do que?

6. Sensação de insegurança e não pertencimento
A falta de vínculos profundos com amigos e familiares, a dificuldade em confiar, a vergonha de pedir ajuda, e a falta de uma referência que o guie na espiritualidade constitui a sensação de não pertencimento. Muitos homens vivem desconectados de sua própria história e dos próprios desejos. Essa solidão emocional com frequência é camuflada pela independência material mas, por dentro, é um buraco escuro difícil de encarar. Muitos vivem uma rotina cheia de afazeres, metas e responsabilidades, mas, no fundo, sentem que estão sempre “de fora”, assistindo a vida passar. Esse vazio não se preenche com mais trabalho, mais consumo, mais performance, mais distrações e happy hours. Ele só começa a mudar quando o homem para de fugir de si mesmo e decide encarar o que vem evitando há anos.

7. Baixa Autoestima e Autoconfiança
Em um mundo onde séries e redes sociais tomaram o lugar de bons livros e boas relações, fazendo com que você se distraia e se compare; em um mundo onde a tecnologia “rouba” seu trabalho e sua capacidade criativa, fazendo com que sinta-se sem função e sentido; em um mundo onde você é tão cobrado por desempenho e possui tantas preocupações financeiras que te faz sentir que não tem mais tempo e oportunidades; em um mundo onde a má alimentação e contaminantes ambientais deterioram sua saúde fisiológica, contribuindo para o ganho de peso, baixo rendimento, doenças e disfunções psíquicas/psicológicas. O que fazer? Parece que o estilo de vida contemporâneo tende a enfraquecer a autoconfiança através do excesso de estímulos e comparações e confiança por meio do comodismo e tentações.

8. Sexualidade
Questões sexuais é umas das coisas que mais abala e influencia a vida do homem, e também aquela que ele mais tarda em assumir e buscar ajuda. Questões como baixa libido, disfunção erétil, preocupação com desempenho e compulsão por sexo são predominantemente psicológicas, e são essenciais de serem abordadas em contexto clínico. Além disso, é muito comum homens trazerem questões relacionadas a falta de sexo no relacionamento, propensões ou dinâmicas de traições e vício oculto em pornografia. Estas questões determinam uma dinâmica disfuncional no relacionamento que podem trazer uma aparente “estabilidade” para uma vida, talvez, já conturbada. No entanto, com frequência consistem na primeira peça do dominó que trará tudo abaixo, e por isso devem ser enfrentadas com urgência.

9. Vícios
Além do sexo, o prazer advindo da alimentação e do descanso são básicos do ser humano. Quando alguns dos pontos citados acima estão impactando a vida do homem, é muito comum que vícios aparentemente controlados sejam estabelecidos, como a projeção descompensada em prazeres básicos na busca por dopamina “barata”, disfunções no sono e a busca por estados alterados de consciência. Come-se muito ou pouco, tem muito sono/preguiça, bebe álcool com frequência, e faz uso de drogas ou de medicamentos psiquiátricos indiscriminadamente, sem um objetivo de reformular condutas. Dessa forma, por meio de prazeres e distrações dispersas ao longo do dia, o homem vai operando em modo automático, com foco apenas em alívio imediato e sobrevivência.

10. Falta de Espiritualidade e Propósito
Na ausência de problemas mais evidentes, ainda assim, têm a sensação de que estão seguindo a vida conforme o script, e se perguntam: “é só isso? Família, trabalho, cuidar dos filhos, assistir séries e viajar de vez em quando? Qual meu próximo desafio?”
A falta de um Propósito Maior que só é alcançado por meio do desenvolvimento da Espiritualidade priva o homem de viver com intencionalidade em cada ato, nas coisas e momentos mais simples. Uma vida boa e estável, porém automática e sem desafios que provocam reflexão e exigem mudança de postura, não traz felicidade para o homem. A compreensão de sua subjetividade é o fundamento mais importante sobre o qual discute-se possibilidades e significados para a vida. Afinal de contas, para que você mantenha sua autenticidade, tudo deve ser relativizado na busca por algo absoluto.

Disposto a abandonar o personagem que foi condicionado a interpretar?
Se alguns dos pontos mencionados te aflige, saiba que não existe caminho fácil, rápido, nem padronizado para te tirar da depressão, da ansiedade e do sofrimento. Não.. terapia não é frescura para homens! Pois não há desafio maior do que enfrentar a própria sombra e os próprios “demônios”. Fácil é dizer que terapia é frescura para manter a ilusão de que não há nada de errado — mesmo quando a realidade grita o contrário, pois se chegou até aqui, talvez seja para você.
Autor:
Lucas Bueno - CRP 06/139274